sábado, 9 de setembro de 2017

SABOTAGE, SUAS ULTIMAS PALAVRAS



Por que  Sabotage? 
Meu irmão que já morreu vivia me chamando de Sabotage. Você trabalha no tráfico e não é preso — isso, para ele, era uma sabotagem. Na época eu não sabia o significado da palavra. Quase oito anos depois, eu já entendo. Sabotagem é um ato terrorista.

Mas a mensagem das suas músicas são antiviolência. 
Vi meu irmão assassinado com treze tiros no Jardim Arthur Alvim [zona leste de São Paulo]. Vivi a violência e cheguei à conclusão de que não adianta. Se eu usar da violência contra quem matou meu irmão, vou perder dois irmãos. A violência é a maior besteira.

Que efeito provoca a violência? 
O resultado da violência é você ir se transformando, sabe uma metamorfose? O cara pratica o primeiro ato de violência quando discute na rua, briga. Depois entra no tráfico, vira o terror da violência. Aí ele não vai mais bater, vai dar tiro. Aí cai um, caem dois, três, quatro, e ele cai numa cadeia, perde 10, 15 anos da vida dele. E sai com a mente podre, pensando em outro assalto. Uma hora ele vai morrer, vai ser preso de novo, procurado, não vai poder passear. É tão legal você poder passear, meu... pegar um tênis, uma calça e sair de rolê, pegar a lotação e ir embora... É tão legal respeitar todo o mundo com palavras simples, “com licença”, “obrigado”. Mas o lance é que é muito difícil ver um cara que conseguiu sair da violência.

Você já foi preso alguma vez? 
E eu analiso as coisas assim: há males que vêm para o bem. O inteligente é aquele que aprende com o erro do errado. Quem está no crime e não vai preso? Qualquer cara da periferia que não escuta o pai nem a mãe vai parar na cadeia ou vai morrer rápido. E aí, mano, é o seguinte: morreu, fodeu, tá entendendo? Satanás usa a TV como um livro dele! Não tem estudo na TV. Tem informação, sim, mas sobre sexo. É só pega ali, chupa aqui, alisa lá. Você não vê novela? Das 6, das 7, das 8, Malhação. Isso gera a violência.

Hoje você está casado, construiu uma família. Você se considera um sobrevivente? 
Meu sogro fica mordidão porque eu fumo maconha. Ele me vê na televisão e diz que não sou eu. Só me chama de Maurinho... É daqueles caras do interior, humilde. Repara bem: a bicicleta dele tem um motor de moto. O velho é mil grau, uma inspiração que a gente tem. Trabalha pra caralho e não fala da vida de ninguém. Pode chegar e perguntar: “Você viu o cara do 44?”. Ele mora no 43, mas vai dizer que não viu nada.

Ele é parte daquela maioria honesta e trabalhadora que paga o pato das ações criminosas que acontecem no morro… A cocaína não vem do morro, vem do avião da FAB. A maconha é plantada no terreno de quem? Além disso, tem os caras que buscam o neguinho na favela, dão dez reais para ele e amanhã já era. Amanhã esses mesmos caras ganham um Oscar, ganham tudo, mas o neguinho continua no barraco...

Isso seria uma crítica ao diretor Fernando Meirelles e à produção de seu filme, Cidade de Deus? 
Primeiro pego na mão dele por mostrar a realidade. Depois discordo de algumas coisas. Cadê a mãe dos caras, que não aparece nunca no filme? A molecada só cresce, vira ladrão, mata, morre. A mãe deles sofreu, chorou para não entrarem no crime. Tem que ter uma história bem contada, não é assim não! Eu fumo maconha o dia inteiro, mas vejo tudo em detalhes. Então não vem com essas de “mas isso é um filme”. Vai enrolar os boys, os caras da casa do caralho!

Você disse que fuma maconha o dia inteiro. Que efeitos te provoca? Eu vivo num mundo totalmente isolado. Analiso as coisas antes de fazer as paradas. Fico sentando de cantão, olhando. Então as pessoas falam: “Puta, aquele cara viaja 24 horas na maconha, será que ele pensa o quê? Será que ele não pensa em nada?”. Eles não encararam qual é a minha, mas os filhos que são adolescentes dizem: “O Sabotage é doido, escreve as músicas dele, já não tem mãe nem irmão, perdeu os primos todos assassinados, o tio está preso há 29 anos, o velho Monarca [personagem do livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella, foi retratado no documentário Travessia do Tempo, da jornalista Dorrit Harazim] ”. Conclusão: não tenho muito o que ficar rindo, mas também não tenho muito de ficar “coitadinho sou eu, culpado são vocês”. Então fico aí registrando as coisas e escrevendo, sabe?

Voltando lá atrás, como começou a sua carreira na música? 
Sempre gostei de música. Com 8 anos eu já escutava Pixinguinha, Chico Buarque. Sou aquela espécie de negão que não joga uma bola, que gosta de escrever uma música, de escutar um som. Eu gosto de ouvir Cassiano… Não gosto de caras da minha idade cantando uma parada de agora. Muitos enxergam Aracy de Almeida como aquela gorda nos jurados do Silvio Santos. Vejo Aracy como uma mina de 25 anos cantando nos grandes coretos por aí. Para falar de música comigo, tem de ser professor.

Qual é a primeira música marcante de sua vida? 
Quando ouvia “O Meu Guri” [de Chico Buarque], aquilo era o meu retrato no morro. Porque eu era vendedor de droga. E, quando vinha a polícia, corria para dentro do morro, guardava os bagulhos em tal lugar, a arma em outro, trocava de roupa e ia para dentro do meu barraco. Chegava lá, meu pai estava vendo televisão, e meu coração batendo na boca. Aí entravam os homens, perguntavam se ele não tinha visto nada e ele “não, não”. Ficava olhando para mim, para os policiais, e quieto. Ele tinha medo dos caras, mas eu dizia para ele: “Você não viu nada, não vai falar nada. Se vierem aqui falar que vendo droga, você não diz nada”.

Conte um pouco como foi gravar Carandiru, com o diretor Hector Babenco. 
Foi foda, mano. Eu dizia: “Isso não existe”. Ele dizia que era um filme, e eu dizia que era a realidade. Aí ele começou a dar ouvido. Mas é um cara rígido... Exige de mim, como exige do bonitão. Quer saber é do filme dele pronto, senão põe outro no lugar. Também, se você não tiver objetivos, vai chegar onde?

Você compôs um rap com Babenco, não foi? 
Fiz a trilha sonora. Ele escreveu umas paradas de águas turvas, uns bagulhos lá de onde ele nasceu, da Argentina. Aí me explicou que águas turvas significava águas sujas, escuras. Ele começou a me explicar e eu fiz a música com ele. Deu um bagulho violento. O nome é “Sai da Frente que Vem Gente”.

Você fez filmes, aparece na mídia. A exemplo do Xis, que participou da Casa dos Artistas, você já sofreu críticas por isso? 
Ninguém fala isso para mim. Mas para o Xis… vixe, só faltaram bater no cara. O caso é que ele plantou uma parada e fez outra. Entra na Casa dos Artistas do nada e diz que não arruma a cama porque é favelado. Vendeu uma imagem que não corresponde à da favela. É, e aí já era. O Belo [cantor carioca acusado de envolvimento com o tráfico], você acha que está malvisto? Nada, meu, a galera gosta dele, as minas, a criançada. A gente já conhece ele, sabe que nasceu na favela, passou por circunstâncias, teve problemas também. Vocês não sabem disso.

Alguém já chegou questionando suas atitudes? 
Nada. Sou vacinadão nesses baratos. Já foi o meu tempo de crise, de dar porrada. Sabe o que falo para o cara? Pergunto o que ele não gostou e digo que vou melhorar. Pago até esse mico [risos]...

Você virou sucesso na periferia. Como lida com isso? 
Me chamam de fodidão. Mas fodidão é o caralho! Fodidão está lá em cima e manda sol, chuva, trovão e estoura essa porra se quiser, tá ligado? Eu olho no olho do cara e vejo se ele merece, se é amigo de verdade. Porque hoje em dia seu inimigo não tem cor nem tem cheiro. E não é só na favela que é assim. É na faculdade, no trabalho.

Você se considera um líder? 
Eu queria poder falar “vamos trabalhar” e que os caras viessem na minha. Eu falo: “Mano, já vendi droga, já tomei tiro de polícia, já dormi no matagal por causa de polícia e de ladrão querendo me pegar. No mundo do crime você arruma vários buchichos”. Aí uns falam: “É mesmo, né”... Mas, depois que eu saio fora, continuam fazendo a mesma coisa. Mano, a paz não se prega assim [fazendo o sinal da campanha “Sou da Paz”], mas com comida, estudo. [Aponta para um senhor] Aquele velhinho ali é muito inteligente, mas não tem trampo. Os adolescentes, só na maconha — na zona sul já tem até uma lei que diz que se alguém ligar reclamando porque tem gente fumando na porta, quem vai preso é quem ligou.

Você se sente um vitorioso? 
Meu show é 500, 800 reais. Já é mais que um salário mínimo. Falei para a minha mãe que um dia ia viver de música, e hoje vivo de música.

O que você vai deixar para seus filhos? 
Eu falo para eles: “O pai, daqui a uns 40 anos, se chegar lá, vai perder a voz, o pai fuma maconha, cigarro… Portanto, vai estudar, porque eu já alcancei o que queria”.

Qual vai ser o seu futuro? [Pensativo] Vou ficar fazendo cabeças por aí com o rap...

Vamos simplificar a pergunta: como vai estar daqui a dois anos? Puta que pariu… [Pensativo] A tendência é só piorar... Se o Lula não der jeito, meu Deus do céu, estamos todos pegos!

QUAL A DIFERENÇA, MC OU RAPPER


São similares, mas não iguais. Para muitos que não conhecem o valor que têm a sigla, “M.C”. – que é o Mestre, o Último Nível, o Conhecimento pleno do Microfone na Mão, ou seja, o Mestre naquilo que faz! – ambos os termos podem ser sinônimos. O MC pode animar a platéia, apresentar, rimar, fazer curadoria… É infinita a capacidade de performance do MC! Já o Rapper não precisa ter todas as facetas multifuncionais do MC. Qualquer um pode ser rapper, pode fazer rap, pode gravar rap, ter uma carreira de rapper. Na verdade, existem mais Rappers do que MCs, no real sentido que a palavra “MC” tem, palavras de  Afrika Bambaataa.
DETALHE, MC DE FUNK NAO SE ENCAIXA NISSO, É OUTRO CONCEITO.