segunda-feira, 30 de maio de 2011

OS 9 ELEMENTOS DA CULTURA HIP HOP POR KRS-ONE


Nova York, 21 de maio de 2006

As redefinições [N.T.: KRS-One refere-se a ´refinitions`, um termo criado por ele, unindo as palavras redefinições e definições] que irei apresentar são uma coleção realizada pela organização Temple of Hip-Hop (Templo do Hip-Hop) dos termos culturais e códigos do hip-hop, desenhados para proteger, preservar e estabelecer um Espírito comum para o hip-hop e aumentar a auto-estima dos verdadeiros hip-hoppers. Outras organizações da cultura podem praticar um diferente conjunto de elementos e termos. Contudo, nossas redefinições permanecem como uma ferramenta fundamental de ensino. Através desse ´corpus de conhecimento` nós promovemos nossa auto-estima como especialistas culturais do hip-hop.

Breaking (estudo e aplicação das formas de dança de rua)
Comumente chamado de Break Dancing ou B-Boying, ele agora inclui formas de dança que já foram independentes: Up-Rockin, Poppin e Lockin, Jailhouse ou Slap-Boxing, Double Dutch, Electric Boogie e a arte marcial da capoeira. Também se refere comumente a uma dança de rua de estilo livre (freestyle).

Os praticantes do Breaking tradicional são chamados B-Boys, B-Girls ou Breakers. Os movimentos do Breaking são comumente usados em aeróbica e outros exercícios que refinam o corpo e aliviam o estresse. Dança e outros movimentos corporais rítmicos aparecem na gênese da consciência humana. A dança também é uma forma de comunicação.

MCing (estudo e aplicação da fala rítmica, poesia e/ou discurso divino)
Comumente referido como rappin ou rap. Seus praticantes são conhecidos como MCs (Emcees) ou rappers. O MC é um poeta do hip-hop, que direciona e move a multidão rimando ritmicamente na palavra falada. O MC é um porta-voz. Tecnicamente, o MC é uma criação da sua comunidade, enquanto o rapper é uma criação das grandes corporações e gravadoras. A palavra MC vem da forma abreviada de Mestre de Cerimônias. Em seu sentido tradicional, MC se referia ao anfitrião de um evento, o mestre de uma cerimônia ou festa. Em seu sentido antigo, o MC buscava rezar ou se comunicar com Deus. Era usado pelos gregos para comunicar-se com seus oráculos e rezar para seus deuses.

As mais antigas formas de MCing foram feitas pelos antigos pastores, sábios e filósofos da África e da Ásia. Mais tarde, na história, essa antiga arte seria praticada pelos griots africanos e djelis, que iam de vila em vila ensinando (ou melhor, encenando) história e importantes lições de vida aos mais jovens.

[N.T.: Nas palavras da amiga Luciane Ramos Silva, antropóloga versadíssima em História da África: "djeli é o/a responsável pela transmissão das tradições orais - genealogias, estórias, costumes e éticas. São como senhores da palavra. Em geral, esse saber é transmitido através das gerações, então existem famílias com "sobrenomes" de griots (outra forma de designá-los, neste caso, termo em francês). Por exemplo, o ator Sotigui Kouyaté, que faleceu ano passado, e foi por muito tempo da Cia do Peter BRooke, era um djeli. O filho dele, Hassane Kassi Kouyaté, está em Sampa (Sesc Ipiranga) fazendo um trampo que navega entre palavra, corpo, tempo e espaço. Bom, mas essa é outra história. Tenho poucas referências de djelis mulheres. Mas há uma, Yandé Codou, que foi a griotte do Senghor, primeiro presidente do Senegal. Há um documentário sobre ela."]

O MCing (ou discurso ritmado/a fala divina) também aparece na gênese da consciência humana. É a linguagem do coração. Os primeiros hip-hoppers transformaram a figura tradicional do Mestre de Cerimônias para incluir formas de participação da multidão e poesia. Hoje, o MC procura ser um mestre da palavra falada, não apenas o melhor rapper ou poeta.

O MCing, se entendido da maneira apropriada, manipula o ar através da vibração sonora numa tentativa de alterar ou expandir a consciência. Os MCs também ministram palestras e outras formas de instrução pública. A maioria dos MCs se avaliam conforme sua habilidade de agitar uma festa/evento, falar claramente e/ou contar uma boa história.

Saiba isso: um MC talentoso quase sempre se torna um rapper respeitado, mas um rapper talentoso normalmente nunca se torna um MC respeitado. O MC se expressa através da rima que já está em sua mente, enquanto o rapper te conta tudo sobre  ele mesmo. Verdadeiros MCs devem estudar ambos os estilos para ter o máximo do sucesso.

A arte do MCing foi popularizada por pessoas como Cab Calloway, Coke La Rock, Pebblie Poo, Sha Rock, Chief Rocker Busy Bee, Keith Cowboy, Melle Mel, Grandmaster Caz, Rakim, Queen Lisa Lee, Slick Rick, Big Daddy Kane, MC Lyte, Muhammad Ali, e outros.

Graffiti Art (estudo e aplicação da caligrafia de rua, arte e escrita à mão)
Comumente chamada de arte do aerosol, writing, piecing, burning, graff [N.T.: write: escrever; piece: peça; burn: queimar] ou murais urbanos. Outras formas dessa arte incluem bombing e tagging [N.T.: o tag pode ser considerado o irmão mais velho da pichação brasileira]. Seus praticantes são conhecidos como escritores, escritores de graffiti, artistas do aerosol, grafiteiros ou artistas do graffiti. [N.T.: para melhor entendimento das diferenças entre os termos, recomendo os seguintes sites: terminologia do graffiti; a arte do graffiti].

Também na gênese da consciência humana, escrever em muros, árvores, pedras, roupas etc. tem um papel importante no desenvolvimento da inteligência humana e da auto-expressão. A maioria das crianças do gueto instintivamente aprende a escrever praticando nos muros. Os antigos humanos, dos tempos pré-históricos, punham certamente suco de frutas [berry] em suas bocas e sopravam ou cuspiam suas imagens em paredes de cavernas, às vezes em total escuridão, da mesma forma como os modernos grafiteiros dos anos 70 ou 80 fariam com suas latas de spray nos trens suburbanos.

Hoje, os grafiteiros procuram ser mestres da escrita à mão e da arte. Os artistas do graffiti se avaliam conforme sua habilidade de escrever e/ou contar uma boa história. Muitos se tornaram artistas gráficos, designers de moda, fotógrafos, diretores de arte e de cinema.

Saiba isso: o graffiti como arte não é vandalismo! Tradicionalmente, a palavra graffiti se originou do termo ´graffito`, significando um risco. Daí sua conexão com a arte dos DJs (o grafiteiro é um DJ visual). Assim, o graffiti foi um termo dado à arte gráfica do hip-hop, quando ela aparecia legal e ilegalmente em propriedade privadas e públicas como um ato de protesto social (especialmente em trens de subúrbio). Da mesma forma que o MCing foi rotulado de rap e o Breaking foi rotulado break dancing, o graffiti foi o rótulo para designar o writing, bombing, piecing, burning e tagging. 

O escrito ou desenho do graffiti é cuidadosamente desenhado, riscado, ou espirrado sobre uma superfície e foi popularizado por pessoas como Taki 183, Phase 2, Stay High 149, Kase 2, Lee, Chico, Cope 2, TATs Cru, Presweet, Iz the Wiz, Seen, Quik, O.E., Revolt, Dondi, Zephyr, Futura 2000, entre outros.

DJing (estudo e aplicação da produção da música rap e difusão por rádio)
Comumente se refere ao trabalho de um disc jockey. Contudo, o disc jockey do hip-hop não toca simplesmente discos de vinil, fitas e CDs. Os deejays do hip-hop/rap interagem artisticamente com a execução de uma canção gravada, cortando, mixando e riscando a canção em todos os seus formatos gravados.

Mesmo além da música e outras formas de entretenimento, o DJing, como um conhecimento consciente, não apenas inspira nosso estilo de instrumentação musical, mas também expressa o desejo e a habilidade para criar, modificar e/ou tranformar a tecnologia musical. Seus praticantes são conhecidos como turntablistas, deejays, mixologistas, grandmasters, mixmasters, jammasters, e funkmasters.

Assim, o Disc Jockey pode ser considerado um apresentador de música gravada e foi popularizado por pessoas como El Marko, Kool DJ Herc, Afrika Bambaataa, Jazzy Jay, Grand Master Flash, Grand Wizard Theodore, Kool DJ Red Alert, DJ Cash Money, Marley Marl, Brucie B, Chuck Chillout, Kid Capri, Afrika Islam, Jam Master Jay, entre outros.

Beatboxing (estudo e aplicação da música corporal – body music)
Comumente se refere ao ato de criar sons rítimicos com várias partes do corpo, particulamente a garganta, boca e mãos. Seus praticantes são conhecidos como ´Caixas de Ritmo Humanas` (Human Beatboxes) ou Orquestras Humanas. Assim, o Beatboxing é, basicamente, usar o corpo como um instrumento. Versões mais antigas dessa expressão incluem o Handbone ou Hambone. Contudo, o moderno Beatboxing se origina do ato de imitar as primeiras baterias eletrônicas (drum machines). As primeiras baterias eletrônicas foram algumas das ´caixas de batida` originais e, engenhosamente imitá-las, foi o que primeiro se chamou Beatboxing. Contudo o antigo Beatboxing era a habilidade de imitar os sons da natureza com as próprias partes do corpo. 

O Beatboxing não é apenas uma forma de comunicação, é também achado na gênese da consciência humana. De fato, imitar os sons da natureza (ou do ambiente natural de alguém) é algo que está no início da comunicação humana, do conhecimento e sobrevivência. 

Popularizado por Doug E. Fresh, Biz Markie, The Fat Boyz, DMX, Greg Nice, Bobby McFerrin, Emanon, Click the Super Latin, K-Love, Rahzel, entre outros.

Conhecimento de rua (estudo e aplicação da sabedoria ancestral)
Comumente se refere ao senso comum básico e a sabedoria acumulada das famílias do gueto. Consiste de técnicas, frases, códigos e termos usados para sobreviver no gueto. Envolve também a habilidade de raciocinar lógicamente com ou sem as ideias ou a validação do mainstream acadêmico tradicional. A sabedoria de rua é a acumulação do auto-conhecimento cultural do hip-hop.

Seus praticantes são conhecidos como hip-hoppers, bem como sisters, brothers, goddesses, gods, mothers, fathers, teachers, queens, kings, princesses, princes, lords e divine (em português: irmãs, irmãos, deusas, deuses, mães, pais, professores, rainhas, reis, princesas, príncipes, lordes e divinos/divindades).

Contra o mito de que o conhecimento só é acumulado em ambientes acadêmicos quietos e ordenados, muito do conhecimento comunitário do hip-hop pode ser achado em seus comediantes, poetas e autores. Os hip-hoppers aprendem e transferem conhecimento através da diversão, no entretenimento. A sabedoria de rua é o conhecimento de como sobreviver na vida urbana moderna.

Popularizada por Malcolm X, Dr. Cornell West, Martin Lawrence, Afrika Bambaataa, Clarence 13X, Ministro Louis Farrakhan, Kwame Toure, Chuck D, Nas, Dick Gregory, Chris Rock, Tupac Shakur, The Wayans Brothers, Sista Souljah, entre muitos outros. 

Linguagem de rua (estudo e aplicação da comunicação de rua)
Comumente referida como inglês negro, jargão/dialeto urbano e ebonics (de ´ebony phonics` - sons negros/sons de ébano). É a linguagem do hip-hop e os códigos linguísticos. A comunicação verbal das ruas.

A linguagem de rua avançada inclui a correta pronúncia da linguagem nacional e nativa da forma como ela pertence à vida no gueto. Adicionalmente, a linguagem de rua avançada lida com a comunicação para além do que a pessoa diz. A linguagem de rua não é sempre discurso falado. A linguagem de rua do hip-hop inclui, certamente, códigos de rua que podem não ser comunicados totalmente por palavras.

Pode-se dizer, ainda, que a linguagem de rua (da forma como pertence ao campo da palavra falada) é a tentativa do hip-hop de se libertar do confinamento da linguagem-padrão e de pontos de vista padronizados sobre a realidade. O inglês (por exemplo) não tem suficientes palavras ou definições para descrever como nós (hip-hoppers) sentimos o mundo. Isso é o que faz com que nossa linguagem (jargão/dialeto - slang - gíria) de rua seja tão importante para nossa liberdade.

A linguagem de rua ajuda os hip-hoppers a interpretar seu mundo da sua própria forma e foi popularizada por Richard Pryor, Martin Lawrence, The Last Poets, Chris Rock, The Watts Poets, James Brown, Gil Scott Heron, E-40, DJ Hollywood, Lovebug Starsky, Nas, Fab 5 Freddy, Frankie Crocker, entre outros.

Moda de rua (estudo e aplicação de tendências e estilos urbanos/street fashion)
Comumente se refere a tendências de roupas do gueto. Contudo, a moda de rua lida com todas as tendências e estilos da cultura hip-hop. A auto-expresão através da moda de rua é um importante modo de apresentar a identidade do hip-hop ao mundo. A moda de rua representa a proeminência de todos os códigos culturais do hip-hop, formas e tradições. 

Não apenas a moda é uma forma de comunicação muito antiga, mas nossa consciência expressa era (e ainda é) também representada no modo como nos adornamos, colorimos e vestimos a nós mesmos.

Popularizada por grupos e pessoas como os The Black Spades, The Black Panthers, The Crips, The Bloods, Jew Man, Ron 125th, Dapper Dan, Shirt Kings, Lugz, FUBU, Karl Kani, Sean Jean, Wu Wear, Fat Joe 560, Phat Farm, entre outros.

Empreendedorismo de rua (estudo e aplicação do mercado justo – fair trade – e do gerenciamento dos negócios do hip-hop)
Comumente referido como mercado de rua, ´having game`, ´the natural salesman` ou ´smooth diplomat` [N.T.: obviamente, isso é linguagem de rua – não consegui encontrar o sentido em dicionários normais. Se algum leitor souber, faça a gentileza postar como comentário]. É a disposição de se engajar na criação de um empreendimento que está na raiz das práticas de negócio. Muito da aprendizagem do hip-hop começa aqui.

Diferente do empreendedorismo, que pode incluir as técnicas e práticas empresariais, o empreendedorismo de que falo foca o espírito de motivação de se auto-empregar, de ser inventivo, criativo e auto-instruído [N.T.: KRS-One diferencia entrepreneurism de entrepreneurialism].

É este espírito; o espírito da auto-criação, a urgência em criar e vender seus próprios talentos, descobertas e invenções, que é encorajada por esses ensinamentos. Seus praticantes são conhecidos como ´hustlers` e ´self-starters`. Empreendedor: uma pessoa criativa automotivada, que sustenta uma iniciativa comercial.

Popularizado por pessoas como Madame C.J. Walker, Russell Simmons (Def Jam), Luther Campbell, Sean Puffy Combs (Puff Daddy), Jack the Rapper, Robert Townsend, Eazy-E, Too Short, entre outros.

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